PARQUE DA JUVENTUDE
Ressignificando as paisagens da dor
Vitor Silverio, julho de 2022

1. A Casa de Detenção de São Paulo



Carandiru: A aurora de um ícone
Carandiru, Adaptado de Revista Fórum
Em 1920 o estado de São Paulo, em sua capital inaugurou um presídio moderno, executado com tecnologia de ponta e materiais de alta qualidade da época. A Casa de Detenção de São Paulo, em sua primeira fase, possuía um sistema de prisão celular, com celas individuais e tinha um forte enfoque em um aspecto educativo do sistema prisional, utilizando um tratamento individualizado e educação artística e profissionalizante como agente de ressocialização.
Nela existia a crença de que a regeneração moral do homem, era advinda da reflexão , da disciplina e do trabalho. Como pautada na frase de Herculano de Freitas que era gravada em sua entrada “Istituto de Regeneração - Aqui o trabalho, a disciplina e a bondade resgatam a falta cometida e reconduzem o homem à comunhão social”
A casa de detenção era tida como um ícone e chegou a ser considerada na época a maior da América Latina.
A mancha na paisagem

Prédio Administrativo da Casa de Detenção, Adaptado de Museu Penitenciário Paulista, 2016
Segundo Bianchini (2018), na década de 40 em função do aumento populacional e o estabelecimento do Estado Novo, o que implicou em um número considerável de presos políticos, a penitenciária chegou à sua capacidade máxima abrigando cerca de 1235 presos. Assim, se fez necessário a expansão e a construção de mais pavilhões para que a demanda de novos internos acompanhasse a quantidade de vagas que o estado deveria oferecer. Entretanto, começou a existir uma mistura de modalidades de presos temporários com o regime fechado, o que acarretava numa crescente onda de rebeliões.

Carandiru, Adaptado de Revista Fórum
É interessante notar, que nesse contexto existia uma dupla noção do espaço dentro do presídio, pois por estar muito próximo a uma área urbana, o próprio mercado imobiliário não mostrava muito interesse pela área ao mesmo passo que os internos do presídio conviviam com muito contato visual do “mundo lá de fora" (VARELLA 1999). Isso acarretava na criação de um estigma no imaginário coletivo por parte dos moradores da cidade e num maior sentimento de revolta por parte dos detentos, que consequentemente gerava mais conflitos e mais rebeliões.
Assim, em 1992, ocorreu uma dos ápices da barbárie do sistema carcerário brasileiro, uma vez que, as vésperas da eleição para governador de São Paulo, uma tropa do Batalhão de Choque entrou na Casa de Detenção com o objetivo de suprimir um levante. 111 detentos foram executados, nenhum policial morreu nesta operação. Assim, a imagem atrelada ao Carandiru se tornou um peso insustentável na paisagem da cidade e um ano depois, em 1993 as discussões para um plano de reurbanização da área do Carandiru já haviam sido lançadas em forma de concurso público.


Implosão dos pavilhões 8, 9 e 6
3 pavilhões foram implodidos, em 2002, com o objetivo de preparar o terreno para um novo parque urbano que teria como objetivo devolver à sociedade espaços de lazer e convivência e apagar a mancha histórica proveniente da violência do estado.
O Concurso Público do Parque da Juventude

2. Novos Horizontes
O Parque da Juventude foi consolidado a partir de um concurso de âmbito nacional para reurbanização da Área do Carandiru organizado pelo IAB - SP, em 1993. Nas discussões de sua elaboração foi decidido que O espaço, anteriormente de exclusão, agora deveria abrigar um parque urbano que atendesse as demandas da população, com áreas destinadas para esporte, cultura, lazer e educação.
Em seu resultado, divulgado em 1999, 58 projetos foram inscritos.
Capa do edital para o Concurso, Adaptado de Lodi, 2008



Planta geral do Parque da Juventude, Autoral com base em dados do GeoSampa
Escritório Aflalo & Gasperini.
Rosa Grena Kliass
Os vencedores da proposta foram a equipe da arquiteta paisagista Rosa Kliass e dos arquitetos membros do escritório Aflalo e Gasperini. (HANNES, 2014).
FICHA TÉCNICA
Local: São Paulo SP
Início do projeto: 1999
Projeto executivo: 2003-2005
Construção: 2003-2007
Inauguração: 2003 (Fase 01), 2004 (fase 2), 2006-2008 (fase 03)
Contratante: Secretaria da Juventude, Esportes e Lazer do Estado de São Paulo
Terreno: 232.933 m2 (parque institucional, 95.636 m2)
Construída: 34.360 m2 (parque Institucional, 32.243 m2)
Arquitetura: Aflalo & Gasperini Arquitetos - Gian Carlo Gasperini, Roberto Aflalo Filho e Luiz Felipe Aflalo Herman (autores); Eduardo Martins Ferreira e Takuji Nakashima (coordenadores gerais); Fátima Moreira (coordenadora do teatro e exposições); Aquiles Accocella, André Becker, André Bezerra de Mello, Ana Raquel Pionti, Aleksander Marcello Braz, Bruno Luchese, Fabiano Sinibaldi, Flávio Garcia, Juliana Garcias, Maria Paula Seixas, Meire Negami, Mirela Rezze, Paulo Katz, Raquel Valdivia, Rebeca Perrella, Reginaldo Okusako, Robison Keith Yonegura, Rodrigo Sobreiro, José Messias e Karen de Abreu(arquitetos); Jonatas Olim, Pamela Sarabia e Cíntia Tengan (estagiários)
Paisagismo: Rosa Grena Kliass Arquitetura Paisagismo - Rosa Grena Kliass (autora); José Luiz Brenna (co-autor); Alessandra Gisella da Silva, Gláucia Dias Pinheiro, Mauren Lopes de Oliveira e Fabiana Fraccetto

Fases de implantação do Parque, Adaptado de Aflalo e Gasparini, 2016

Programa e setorização, Autoral com base em dados do GeoSampa
O projeto foi implantado em 3 fases, após a implosão dos pavilhões 8, 9 e o complexo do pavilhão 6 e da limpeza do terreno foram inauguradas as quadras poliesportivas e pistas de skate. No projeto paisagístico, Kliass estabeleceu espaços sombreados com vegetação e movimentações artificiais de terra que criaram leves topografias na área gramada, nelas foram abertas espaços caminháveis em meio a vegetação preservada.
Em um segundo momento, foi implantada a fase de projeto que tinha como enfoque um aspecto contemplativo do espaço, este marcado por ausência de equipamentos públicos, dispondo de apenas bancos ao longo do percurso. As ruínas e estruturas do antigo pavilhão proveniente de uma expansão previa a desativação do presídio foram preservadas e por meio de intervenções com decs, passou a interligar as estruturas permitindo a caminhada pelo espaço. Os antigos muros passarelas de vigias foram preservados como marcos históricos, entretanto Kliass interviu em seu significado transformando-os em espaços caminháveis através de estruturas metálicas que criavam mirantes que proporcionam vista ao córrego dos carajás;
E em sua última fase foi concluído, em sua porção noroeste, o seu setor institucional com os pavilhões 4 e 7 reformados e uma nova estrutura erguida para abrigar a Biblioteca de São Paulo.

Entorno e Vizinhança, Autoral com base em dados do GeoSampa

Fluxos, Autoral com base em dados do GeoSampa
Em seu entorno, o parque é cercado majoritariamente por construções de cunho habitacional, comercial e 3 instituições penitenciárias. O parque é marcado por antíteses na constituição de seu desenho com um caráter mais modernista, com fortes eixos axiais e setorização em sua parte institucional, um desenho de piso de cunho naturalista em sua parte central, com um traçado mais orgânico e alterações artificiais na topografia e faz menções aos parques lineares em sua porção mais a nordeste. Tudo isso cortado por uma grande alameda central que faz a conexão entre ambas as suas extremidades, ligando a Avenida Cruzeiro do Sul à Avenida Zaki Narchi.

Maquete volumétrica com entorno imediato, Autoral com base em dados do GeoSampa

Corte urabno, Autoral com base em dados do GeoSampa

Decks entre as ruínas

Estruturas metálicas


Acesso sobre o córrego
dos Carajás

Planta baixa do Parque, Adaptado de Aflalo e Gasparini, 2016


Topografia do parque central

Quadras poliesportivas


ETEC Parque da Juventude

Biblioteca de São Paulo

ETEC no bloco 4 requalificado, Adaptado de Centro Paulo Souza
Bibliografia
BIANCHINI, Douglas. Do Carandiru ao Parque da Juventude: reconstrução da paisagem urbana. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). São Paulo, 2018.
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CALLIARI, Mauro. O Parque da Juventude. O poder da ressignificação. Projetos, São Paulo, ano 14, n. 162.03, Vitruvius, jul. 2014 . Acesso em 04 de julho de 2022.
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CORBIOLI, Nanci. Rosa Grena Kliass: Parque da Juventude, SP. Revista Projeto, 2005. Disponível em . Acesso em 04 de julho de 2022..
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HANNES, Evy. Parque da Juventude, inserção ambiental e sustentabilidade. Revista LabVerd, nº8, Artigo nº 6 - USP. 2014
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VARELLA, Drauzio. Estação Carandiru. São Paulo Companhia das letras. 1999
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